PARA UMA MEDIAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS

24-09-2015 16:47

VI SIMPÓSIO NACIONAL

DESAFIOS DO PROFISSIONAL DE SERVIÇO SOCIAL

30 DE JANEIRO DE 2012

 

PARA UMA MEDIAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS

 

Mestre Joaquim PAULO

 

 

 

 

I.                   Direitos Humanos, Princípios Básicos para uma Ética do Serviço Social

- Será que os Direitos Humanos, tal como vêm na Declaração dos Direitos Humanos, das Nações Unidas, podem concertar-se com as questões do Serviço Social, nomeadamente no Século XXI?

-  Segundo o Manual para as Escolas de Serviço Social, sobre Direitos Humanos e Serviço Social da autoria da FIAS e a AIESS, editado em 1992, “ …as origens do Serviço Social radicam em ideais humanitários e democráticos” (com destaque para a figura de Jane Adams).

- A prática do Serviço Social tem estado centrado, desde o seu início na satisfação das necessidades humanas e no desenvolvimento do potencial e recursos humanos…”

- Neste contexto o Serviço Social foi designado como a Profissão dos Direitos Humanos (membros do centro dos direitos humanos das nações unidas em Genéve, FIAS e AIESS), porque trabalham ou ensinam diretamente no campo das necessidades humanas.

Na verdade a Ética e a Deontologia Profissional interrelacionam-se diretamente com a concretização efetiva dos direitos humanos, através das formas de governos e das políticas, nomeadamente as políticas sociais.

- Os Direitos Humanos fornecem ferramentas essenciais, quer do ponto de vista científico quer deontológico, de resistência a alienação dos valores e objectivos da profissão, por parte, das Instituições empregadoras e das políticas estaduais. Como pertencentes á civilização humana, pela Declaração dos Direitos do Homem (1948 – após o Holocausto da 2ª  Guerra), tornam-se essenciais, na ação, na investigação, na formação.

- Os Direitos Humanos, assentam na tríade, Direitos Civis (liberdade, propriedade, cidadão), Direitos políticos (participação, democracia, voto unipessoal), Direitos Sociais (justiça, trabalho, educação, segurança, saúde, dignidade).

- Na essência assentam em três objetivos centrais:

  . Dignidade (ser respeitado)

  . Auto determinação (escolher)

  . Justiça (redistribuição social, e igualdade perante a lei)

- Agora  reparemos nos valores centrais do Serviço Social (Código Deontológico Internacional)

. Dignidade da pessoa humana independetemente da sua raça, credo, opções, etc

. Auto Determinação

. Realização pessoal através do reconhecimento, valor e da participação na construção social

. Segurança e qualificação da vida humana.

 

 

 

 

II.                  Riscos Sociais no contexto da Desregulação Mundial e do predomínio depredatório Neo Liberal – Fragilidade dos Direitos

 

- Este é simultaneamente, um tempo de colapsos e crises de onde parece emergir um novo padrão de organzição social, ou neste caso, de desorganização, de caos permanente. No cerne é a grande crise do pensamento moderno ocidental que se arrasta desde o fim dos anos 60 do século passado, e parece, ao longo desta década assumir o ultimo estertor.

 Á Era dos Direitos parece suceder a “ A Era da Incerteza”

Diz, Castells (2007), acredito que neste fim de milénio, está a surgir um novo mundo(...). Um novo mundo, uma nova era., a da Informação, ainda Castells, ou do efémero, Lipovetsky, ou ainda pós-industrial, Alain Touraine, ou mesmo Daniel Bell.

 

- Na verdade todos aqueles que obervam e pensam  a sociedade e a sua organização, vêem observando que um novo modelo de funcionamento politco-socio-cultural entrou em acção, separando os parametros que ordenaram o tempo da modernidade, da organização positiva da sociedade, seja ela organica ou estatal, de uma visão de unicidade do Estado, em torno de ideiarios ou metanarativas (nas palavras de Lyotard), que mantinha unidas as perspectivas politicas, conomicas e culturais, condutoras do fio de ariadne do sujeito na sociedade.

Assim, podemos identificar três grandes tendências do nosso tempo:

 

- o triunfo da instrumentalidade tornada acção estratégica

 - culto do privado

- desinvestimento público

- A Era dos Direitos parece findar, assim como os seus “teólogos”, ou sacerdotes, os novos mestres, são voláteis e expressam-se numa linguagem que muda, em função das novas forças em jogo, da Economia, à fisica das partículas, ao jogo entre a informática e o biológico, uma espécie de nova teoria rácica, do genoma manipulável, renovando a utopia da transmutação da imperfeição humana pelo domínio da phisis, no micro e no macro.

- Como dizia Josué de Castro, “ a pobreza é o nosso maior problema ambiental”. A pobreza cria desníveis sociais tão grandes, que a busca da superação, tem passado pela destruição da natureza, e pela indignidade dos valores que regem as sociedades- lucro, ganância, utilitarismo, egoísmo, consumismo, depradação, iniquidade, democracia de fachada, corrupação…

 

- O aumento da exclusão está imbricado com os problemas ecologicos resultantes dos processos ultra liberais, de poder político concentrado em massas, parcas, fora de controle dos Estados, inúteis, face ao dominio financeiro/tecnológico. Se todos somos os sofredores com as alterações climáticas, e portanto a intervenção é global, aqueles que se situam, e muitos são, hoje, nas franjas alargadas da sociedade, mais ainda sofrem as consequências desta doutrina de mercado que Polany identificou como contrária á própria existência humana.

As limitações que Polanyi (200) nos indicou á terra planagem mundial, pelo mercado,

- O Mercado não é solidário. O Mercado não promove a participação. O Mercado não aprofunda a democracia, pelo contrário aprisiona. Que fazer profissional pode enfrentar este dilema, também ele ético?

 

 

 

III.                A Mediação como Instrumento de Compromisso Com a Advocacia Social : UM COMPROMISSO RADICAL – UMA EPISTEME ECO – SOCIAL

 

- A Mediação pode ser numa asserção mais restrita, a de intermediar conflitos, mas poderá ser outra coisa, como Mediar a construção de novos processos de relacionamento social, de produção de sociedade, de empowerment.

- É neste âmbito que teremos de colocar a Mediação em Direitos Humanos no campo do Serviço Social, face a processos acelerados de transformação sócio-politica, e desregulação que permitem uma nova concentração do capital, e a desmobilização dos movimentos sociais que permitiram a afirmação de uma sociedade de Direitos.

 

 

- O encadeamento das questões ecológicas, sócio – económicas e científico/tecnológicas, num processo de profunda exploração, da natureza e humanidade, pôs em causa o modelo em que assentava o dito progresso humano, e a própria ideia de progresso. O Serviço Social tem como Ethos fundamental exatamente o potenciar uma ambiente de desenvolvimento e progresso humano, no centro pois do seu Ethos nasce uma questão, “Que Progresso Humano Queremos Hoje”?

Temos claramente, necessidade de redefinir os valores, que são assumidos como guias normativos do Serviço Social, basicamente temos de explorar estas categorias ontológicas, de uma nova hermenêutica para o Serviço Social, destes novos tempos, nomeadamente, um em específico.

 

- Progresso, palavra chave. Quer a finalidade, quer a intenção, são dois topos fundamentais para a reinterpretação do Ethos do Serviço Social, á luz  do que já exemplificamos como Ideia, ou ideário de Progresso na Modernidade e no Positivismo.

Analisemos, então as palavras de Maria do Carmo Falcão (1978), sob a luz de dois prismas um contexto de pós sociedade de consumo, ou pós social, e de “economia suficiente”, o ideário de progresso, presente aqui:

Assim nesta perspectiva, a meta profissional repousa em especial em aumentar o poder de Consumo de bens e serviços pelas populaçõesde baixa renda (...)

 

Temos aqui, na essência um Serviço Social que parece corresponder aos princípios fundamentais de solidariedade, bem estar, auto – determinação, inserção, mas, sem nos apercebermos, a partir da dicotomia,  tecnopolista:

empowerment= + consumo= + inserção social.

 

- Este é o Ethos fundamental que tem dominado as práticas do Serviço Social, progresso humano, radicado no ideário do mercado, de mais consumo, menos pobreza. Partindo de um princípio, escondido, sob um discurso diverso, de visão unidimensional, pois o aumento do consumo seria dependente da estrutura económica/social, mas independente, da escolhas morais, éticas, estéticas, ecológicas, mesmo psicológicas.

- Consumo, que pela via do Estado, se mostrou incapaz de crescer e portanto limitou a participação social, civica e política e portanto democrática (exemplo os regimes ditos comunistas);

- e pela via do mercado cresceu tanto que inundou como uma bolha os Estados, criando injustiça social, exploração humana e devastação ambiental, provocando diminuição da solidariedade, descrédito nas democracias, impedindo o seu aprofundamento por via da crença do mercado independente da política, e condicionando a participação, por via de novas formas de exclusão.

- Daí que,  ao invés de um caminho irreversível para o fim dos fenómenos da pobreza e da exclusão e um caminho aberto para a participação pró activa para a democracia decisória (governança participada/ substituindo a democracia representativa), e claro para o Ethos fundamental da solidariedade, temos uma população de rendimentos baixos e outros níveis ou camadas sociais, ditas  da classe média, também em descenso na escala social, caminhando na irrelevância de um mundo que vai prescindindo de milhões de seres humanos, como também da própria natureza vai prescindindo, como deuses omniscientes. 

- Estes fenómenos criam estupefacção, desespero e descrença nos profissionais de Serviço Social, envolvidos nos anos de formação, pelo manto da mudança e transformação social, pelo carácter contraditório, mas directamente ligados com a Complexidade Antropossocial e dos fenómenos que produz.

Como Mediar, a conjunção Direitos Humanos e Valores Éticos do Serviço Social:

- A Dignidade Humana

- Auto Determinação

- O Progresso e o Desenvolvimento do indivíduo e da sociedade

- A Segurança como clima necesário ao referido desenvolvimento?

 

 

- Deste modo o Ethos profissional deve-se redefinir não em função dos valores, mas das finalidades do mesmo, com que finalidades, e com objectivos e estratégias actuamos no campo dos valores, remetendo-nos novamente para a complexidade do real, para uma bio-antropo-ética.

- As finalidades, não podem assentar num aumento de bens consumíveis, mas numa demanda ecológica, para uma satisfação dos recursos, não no campo financeiro, mas da partilha comunitária, recursos, eco-suficientes, e democraticamente aprofundados como necessidades comuns, tendendo á libertação, por um lado do empobrecimento pelo não acesso, ou do empobrecimento pelo acesso agiotado aos bens, que condicionam o futuro individual, grupal e colectivo, no cerne processo de endividamento, que aprisiona o sujeito, o impede de ser livre, não alienado, facilita a insegurança, promove a sujeição, e condiciona em definitivo a participação, o aprofundamento democrático, a solidariedade.

- Assistimos hoje, como nas primeiras décadas do século XX, a uma refilantropização do social, pela quebra da aliança supra referida, com  o domínio agora aberto, da colossal dimensão de um capitalismo financeiro, ávido de dinheiro e desregulado, que desmantela, na Europa Ocidental, as conquistas do Estado Providencia, e alimenta o capitalismo depradatório mundial, satisfazendo, desde a oligarquia da potência Chinesa, ás Máfias Russas dominantes, aos Tubarões gigantescos do capitalismo internacional. Direitos e garantias são atropeladas e com elas as democracias, representativas, putativas ou outro modelo são atropeladas, estropiadas...puxando o Serviço Social, para fora da sua profissionalização, via Estado, para a Intervenção assistencialista no quadro de agentes privados, de solidariedade social, ou outros, também eles trabalhadores explorados no quadro da nova dimensão do Neo – Liberalismo.

- Resistir á refilantropização, pela eco-organização das estruturas representativas do Serviço Social, que defendam o projeto de cidadania, de eco-cidadania, num campo de uma economia suficiente, de uma democracia participativa e até direta, e de uma solidariedade que reencontre pela via da defesa dos direitos e da mobilização de movimentos eco-económicos e político-éticos, de raíz comunitária, que permitam aos cidadãos de constituirem e apoderarem dos processos de inclusão, pela via de uma social-seguarança, ou comunidades de solidariedade social, capazes de complementarem as incapacidades do Estado Social, e não se submeterem aos processos exclusores do privado lucrativo, dominado pela agiotagem, descontrolado, e anti eco-social, ou seja que defenda a história e as economias locais de reciprocidade, bem como os recursos naturais, como recursos da comunidade e não das élites que dominam a produção e o consumo.

A dimensão eco-ética-sócio-política assume aqui um entorno decisivo.

- A situação socioprofissional do Assistente Social, assemelha de algum modo, na conjuntura de rutura financeira, a do cidadão comum, ou seja de pauperização, bem como as Instituições Privadas de Solidariedade Social, para a quais é empurrado, tendo em conta a diminuição da “vontade do Estado”, em assumir as políticas sociais públicas e a degradação dos direitos socias. Aqui, centrado no limite do seu Ethos profissional, a práxis só pode ter como orientação a reorganização, democrática participativa, e de segurança solidária, das comunidades, ajudando a construir “comunidades de vizinhos” e ou “unidades residenciais”, que visam, conferir cidadania, empoderar os “assistidos”, potenciar novos movimentos sociais, em torno de processos decisórios, no âmbito da democracia económica, por uma economia saudável (Fromm), ou suficiente, ecológicamente organizada,  no modo da reciprocidade e do bem comum, processo fundamental na reconstrução de comunidades, edificantes, como comunidades éticas, que definam Projectos de Felicidade Colectiva (incluindo os PIF), descontaminados da “doença” alienante do consumo, retomando o bem comum como valor fundamental, que obriga á redistribuição e condena as formas de empobrecimento deliberadas na organização social.

 

- Mediação dos Direitos Humanos é Sobretudo a Reconstrução das Mediações Sociais (falidas), por outras formas de representação e organização social, de resistência, á depradação, de conquista de novos espaços de Intervenção Profissional.